ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2016 ~
Metello, Um Herói do
Romantismo Português
Metello, Um Herói do Romantismo Português
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 12 de Janeiro de 2016
Por vezes surgem-nos palavras do passado que não podemos, não conseguimos, simplesmente ignorar. Algumas dessas chegam-nos de nomes conhecidos da nossa história, outras, de nomes desconhecidos. Outras até, de anónimos. Foi o que se passou durante anos com um manuscrito que se encontrava no Arquivo Histórico de Sintra, com uma cópia na Biblioteca Municipal.
E tal como com as palavras, chegam por vezes até nós, vindas do passado, histórias que não conseguimos ignorar.
No livro “Sintra Lendária” escrevi um capítulo cujo título escolhido foi “A Um Herói Desconhecido”. Esse capítulo trata precisamente de uma dessas personagens da história que se destacam por terem sido quem realmente foram no correr de uma vida quase incógnita. No caso, não apenas por isso mas também por sua história se entrelaçar com Sintra. E não só: por sua história – a história desse “herói” -, seu sentir e viver, se entrelaçar com Sintra num discreto e quase involuntário acompanhar do movimento do Romantismo de então.
Francisco Maria Rosado Metello não era natural de Sintra. Mas amou Sintra com uma sensibilidade como poucos o fizeram. Amou Sintra com a sensibilidade que derrama os mais dramáticos sentimentos em palavras no papel, com a sensibilidade que derrama os mais trágicos quadros no papel.
Francisco Maria Rosado Metello,
auto-retrato
Nascido em 1790, quando Byron visitava Sintra em 1809 já Metello se encontrava a caminho de conhecer o acre sabor da Guerra Peninsular, das investidas de Napoleão na Península Ibérica. Fazendo parte do corpo português que acompanhava o exército inglês na dura guerra em que as lusas vidas eram tidas como de pouco valor, o “Herói Desconhecido” participou, sobreviveu, a 5 campanhas da Guerra Peninsular, tendo sido condecorado com a Cruz de Ouro.
"...e deitaram-se as tropas de armas na mão, debaixo de um bosque em terreno relvoso, com mais de duas polegadas de água estagnada: de fardas, equipados, e sem tirar as mochilas, nem cobertores ou capotes, dormiram os portugueses, e seus aliados, neste lugar de descanso, sem acenderem um só lume: ao romper o dia 28 continuaram a marcha; a chuva, a névoa, o fumo, o estampido e os clarões do fogo do canhão português foi a aurora, o quadro, e primeiros raios de luz deste dia glorioso!" Escrevia Metello, recordando-se da marcha do pequeno corpo português pela Ibéria. E não lembrava apenas os seus congéneres, recordando também os “gritos de guerra” que impeliam e impelem o Homem rumo à vitória: "Tal foi a veemência dos valentes escoceses, e os sons da vitória das suas gaitas de foles, a disciplina e valor dos regimentos de infanteria portugueses 4, 6, 10, e 18, caçadores 6, e artilheria 1, nesta acção!"
Desenho de Metello, figura gravando “Eliza” numa rocha com o Mosteiro de Penha Longa e o Penedo dos Ovos na distância
Foram muitas as vivências, muitas as aventuras de Metello, das mais inesperadas às mais perigosas, como aquela bomba que no cerco de Badajoz o “ia rapando” e que o estirou com uma “contusão no peito, gola e armas da gola feitas num bolo, barretina sem tampo, relógio quebrado, tudo à força de estilhaços.”
E como é que a história de Metello se entrelaça com a de Sintra? Entrelaça-se tão suave e docemente como certa vez em que, ficando os ossos da capela do Castelo dos Mouros todos à vista (nas obras de recuperação do Castelo no século XIX, responsabilidade do “aforamento” à conta do Rei D. Fernando II), lembrou isso ao antigo soldado os horrores vividos na Guerra Peninsular, todos os cadáveres em valas, assim como sua queima. E o que lho lembrou foram aqueles ossos na capela do Castelo: “o meditador admirava ainda as sepulturas abertas, as ossadas, os crânios, que olhos vivos não viam por mais de sete séculos!”
Desenho de Metello, figura com “Eliza” gravada em árvore no Lugar da Cruz (cruzamento da vinda da Fonte da Sabuga com a Rua Visconde de Monserrate)
A história de Metello entrelaça-se de muitas mais maneiras. Através de uma imagem de sua autoria – que se encontrava como anónima no Arquivo Histórico de Sintra – em que aparece uma antiga óssia (receptáculo por norma em pedra, onde se guardavam ossadas humanas) cónica que existia defronte da Igreja de Santa Maria de Sintra. Metello ainda a chegou a ver destruída, com os ossos “do tempo dos Templários” espalhados pelo chão durante dias.
Durante anos vi na Biblioteca Municipal (como cópia do original que se encontrava no Arquivo Histórico de Sintra) um manuscrito considerado anónimo, com cerca de 40 páginas, escrito num tom muito pessoal e com inúmeras curiosidades (como a crença no quadrado sino da antiga Igreja de São Miguel, destruída em 1755). Era sem dúvida, um manuscrito curiosíssimo. E esse manuscrito levou a que, em determinada altura, a minha admiração por esse antigo soldado português se tornasse avassaladora: quando consegui confirmar que esse escrito considerado anónimo se tratava de sua autoria, que as palavras daquele manuscrito eram todas dele, desse “Herói Desconhecido”.
Desenho de Metello em periódico da época, acompanhando artigo poético – e enigmático – sobre uma mulher
O “Herói Desconhecido” deixou-nos assim algumas rústicas aguarelas que actualmente se encontram no Arquivo Histórico de Sintra – incluindo umas em duas folhas coladas, com escritos numa dessas faces escondidas –, o tal manuscrito que se encontra no mesmo lugar (“Sintra, Nascente Histórica e Poética (Por Um Anónimo)”), algumas cartas pessoais guardadas pelo Arquivo da Casa de Louriçal (das quais os excertos anteriores foram retirados), algumas gravuras (incluindo uma gravura de si e de sua esposa feita pelo próprio) que se encontram na Casa de Sarmento, e alguns artigos pessoais sobre Sintra em periódicos da época (décadas de 40 e 50 de 1800), sempre abordando Sintra com seus sentimentos e palavras.
Em alguns desses artigos e gravuras da Casa de Sarmento aqui reproduzidas, ressaltam imagens antigas de Sintra, mas também um nome: Elisa. Elisa na vida de Metello é para nós hoje… um mistério. Não se trata da filha, da esposa, ou de algum conhecimento seu que mencione em seus escritos (incluindo os mais pessoais). Fala de Elisa numa forma poética num dos artigos dos periódicos da época, percebendo-se detrás de suas palavras, um complicado enredo.
E… Mais do que dar a entender, se Sintra tanto lhe enchia o coração, marcou na paisagem sintrense de suas gravuras, o nome de Elisa, como aqui se pode ver nas imagens.
E marca-nos a nós hoje, este “Herói Desconhecido”, que nos traz um romantismo de Sintra do século XIX, no sentir e viver de um português que viveu aventuras mil.
por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra
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