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Artigos no Jornal de Sintra, ano de 2018, de Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra.jpg

ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2018 ~

Invenção e Exaltação
nos Capuchos

Invenção e Exaltação nos Capuchos
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 27 de Abril de 2018

    O longo nevoeiro de Inverno começa finalmente a dissipar-se revelando um gradiente de azul no céu que se torna cada vez mais forte. E na chegada do forte azul do céu, dos solares raios que precedem o Verão, chega o dia do ano em que uma parte da Serra brilha de forma mais intensa na memória do vivido na história.

    Até mesmo este início pode em si criar um grande contraste, principalmente depois de ler o título que leu: afinal, invenção e exaltação juntas criam na mente um cenário de agitação emocional e frémito aparentando ter uma causa ou razão “inventada” e logo, pouco lícita. Ainda para mais no Convento dos Capuchos. 

    Mas hoje o Convento dos Capuchos irá mostrar-nos o que nos próximos dias chegará. E isso está relacionado com a sua invocação original, com o nome através do qual surgiu na Serra de Sintra: Convento da Santa Cruz da Serra de Sintra.

Por Francis Seymour Haden aquando da sua visita a Portugal: Inside the Cork Convent Sintra, ano de 1877 (detalhe). (técnica/meio: ponta-seca) Em depósito no Minneapolis Institute of Art (Minnesota, U.S.A.)

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    No ano de 312 o Imperador Romano Constantino vê no céu à frente do Sol, durante a Batalha da Ponte Mílvia, uma cruz que mostrava letras formadas por labaredas no céu: in hoc signo vinces – “por este sinal conquistarás”. A Batalha foi ganha e pouco tempo depois os antigos e seculares deuses desapareciam e o Cristianismo tornava-se na religião oficial do Império Romano. A mãe do Imperador, Helena, volvidos mais de dez anos decide ir até à Terra Santa e, perto do Calvário – também conhecido como Gólgota, o que traduzido significa “caveira” –, manda destruir um templo dedicado a Vénus de modo a que no lugar seja erguida uma igreja. Quando abrem as fundações para essa igreja são encontrados os restos de três grandes cruzes. Após o que se poderia denominar de prova de fogo, compreende-se que duas daquelas correspondiam a Dimas e a Gestas, e a outra, aquela em que se deu a Crucificação. Menos de uma década depois dessa descoberta a Igreja do Santo Sepulcro é sagrada num 13 de Setembro, ficando com partes da Santa Cruz expostas, começando as celebrações no dia seguinte, a 14 de Setembro.

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Composição como reconstituição (a extinção das ordens religiosas em Portugal deu-se na década de 1830) por Francis Seymour Haden: Inside the Cork Convent, Sintra, ano de 1877. (técnica/meio: ponta-seca) Em depósito no Minneapolis Institute of Art (Minnesota, U.S.A.)

    Cerca de trezentos anos depois dessa sagração e sequentes festas, o Imperador Sassânida Cosroes II investe sobre a Terra Santa, roubando a Santa Cruz, tomando-a para si como um troféu de guerra. Só após 13 anos do roubo, da captura da Santa Cruz como troféu de guerra, é que o Imperador de Bizâncio – então estandarte do Cristianismo – consegue recuperar a relíquia que havia sido roubada pelos sassânidas.

    Estas datas que acabei de referir poderão ser contrapostas por outras, através de publicações dignas (mais do que fidedigno, pois neste tema não se consegue discernir uma verdade com total certeza). No entanto sabe-se que ainda no tempo do Imperador Constantino o 14 de Setembro já era celebrado como a Exaltação da Cruz – sendo aqui exaltação sinónimo de “elevação” e de “engrandecimento”. E também se sabe que a partir do século VII (pelo menos nos calendários religiosos de França e naqueles moçárabes) se começou a celebrar uma outra festa no dia 3 de Maio, conhecida por Invenção da Cruz. Alguns dizem que foi por o Imperador Heráclio ter regressado à Terra Santa com a relíquia resgatada dos sassânidas, num 3 de Maio; mas tal é vago (na verdade e curiosamente, Heráclio nasceu num 3 de Maio).

Composição como reconstituição (a extinção das ordens religiosas em Portugal deu-se na década de 1830) por Francis Seymour Haden: Outside the Cork Convent, Sintra, ano de 1877. (técnica/meio: ponta-seca) Em depósito no Minneapolis Institute of Art (Minnesota, U.S.A.)

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    Este termo invenção não deverá ser interpretado como o conhecemos hoje, mas sim através da sua etimologia, da sua origem em latim que se baseia no verbo invenio, o qual significa “encontrar”. Ou seja, esta festa do 3 de Maio, da Invenção da Cruz, pretendia relembrar o quando a Santa Cruz foi encontrada nos anos de 300 pelos homens de Helena, mãe do Imperador Romano Constantino. Durante muitos séculos a Exaltação ficou assim associada ao 14 de Setembro, e a Invenção ao dia 3 de Maio.

    E como é que tudo isto se relaciona com o Convento dos Capuchos da Serra de Sintra? Relaciona-se com o dia que aí vem, primeiramente porque no Convento encontramos memória das vivências que ali se davam nos 3 de Maio de há mais de 400 anos atrás, em que poderiam obter indulgência plenária e remissão de todos os pecados todos aqueles que arrependidos e confessados – ou com intenção de se confessarem – o visitassem no dia da Invenção da Cruz, e rogassem pela Paz entre os Príncipes, pela alma de D. João de Castro, pela extirpação das heresias, entre mais algumas obrigações. Nesses 3 de Maio, eram tantas as pessoas a chegarem ao Convento que o ofício divino – também em latim cantado -, tinha de ser dado fora daquela gruta que conhecemos hoje como a sua cavernosa igreja.

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A composição articula uma imagem que Haden guardou em memória (quer através apenas de memória, quer de esboço em outro meio) do Convento dos Capuchos, representando ao mesmo tempo uma reconstituição (a extinção das ordens religiosas em Portugal deu-se na década de 1830); por Francis Seymour Haden: A Monk at a Fountain, ano de 1877. (técnica/meio: água-forte) Em depósito no Minneapolis Institute of Art (Minnesota, U.S.A.)

    Mas não apenas por isso resolvi hoje falar do nosso Convento dos Capuchos e do dia da Invenção da Cruz. É que foi a 3 de Maio de 1560 que se lançou a primeira pedra – ou laje chã, talvez este seja termo mais adequado àquele monte de rochedos ao qual chamamos de Convento – na Igreja. Quer isto dizer que no próximo dia 3 de Maio o Convento da Santa Cruz da Serra Sintra completará 458 anos de história. São 458 anos das mais árduas vivências, do mais firme acreditar no sofrimento a que se dedicavam, de várias vidas a encaminharem-se para o centro da Serra de Sintra para se encontrarem com aquilo que interpretavam para si, no seu íntimo, como superior, exaltando também assim esse algo superior.

Por estar inserida no meio de outras cuja temática franciscana está directamente associada ao Convento dos Capuchos da Serra de Sintra (quer pelos títulos, quer pelo mesmo ano de visita a Portugal e a Sintra), esta gravura é interpretada como uma inspiração do Convento. Por Francis Seymour Haden: A Monk Praying – Saint Francis, ano de 1877. (técnica/meio: ponta-seca) Em depósito no Minneapolis Institute of Art (Minnesota, U.S.A.)

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    Tempos passados em que na gruta que conhecemos como igreja, no seu altar, se conservava uma cruz de prata banhada a ouro, contendo no seu interior um fragmento da Santa Cruz que foi na peregrinação da mãe do Imperador Constantino – há 1700 anos atrás – pelos seus homens encontrada. Fragmento esse que foi trazido de Roma nos anos de 1500 por D. Álvaro de Castro, filho do grande D. João de Castro e que a pedido desse, a pedido de seu pai, levantou um dos lugares mais belamente monstruosos que pode conhecer quem por ele um dia passe e tome conhecimento da sua história e dos seres humanos que ali viveram. 

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