ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2018 ~
A Imperatriz Leonor de Portugal
A Imperatriz Leonor de Portugal
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 30 de Março de 2018
A origem da expressão é fartar vilanagem foi uma das coisas que contei no artigo do blog que serviu de introdução a este do Jornal de Sintra. Contei várias outras coisas, indicando que aqui no Jornal faria a relação de todas elas com Sintra. A verdade é que quem comece a ouvir a história de D. Leonor com Frederico III – sem saber os detalhes, atente-se – sente que tem tudo para ser uma bonita história de princesas. No entanto, é precisamente nos detalhes que podemos reparar uma vez mais que estas personagens da história eram humanos de carne e osso como nós, e tal como nós, tinham os seus próprios caprichos, formas de interpretar os acontecimentos e, muito importante, tinham as suas vidas para tomar decisões, algo da dimensão humana que normalmente nos escapa.
Retrato do Rei D. Afonso V presente no diário de Jörg von Ehingen (anos de 1400) pertença da Württembergische Landesbibliothek (Estugarda, Alemanha)
Esta história é das melhores para tudo isso fazer perceber, mas os detalhes em que o poderia fazer, analisar, seriam quase intermináveis. Ficar-me-ei pelo básico e por um fio condutor que pode ser que o leve a si a depois querer saber mais.
Na nossa história dos anos de 1400 tivemos um rei cujo nome era Afonso; neste caso, o quinto, na ordem da homenagem ao Fundador. Este Afonso nasceu na Sala das Colunas, no Paço Real de Sintra. Foi o primeiro a ser investido Príncipe de Portugal, também no nosso Paço Real. Era filho do Rei D. Duarte e neto do grande D. João I. De ambos já aqui falei por diversas vezes também. O Africano – como ficou conhecido na nossa história, a partir do século XVI – quando muito jovem teve um recontro com os cavaleiros que seu tio seguiam, acabando este último por ficar morto no campo de batalha durante três dias (os detalhes que com isso se relacionam contei no artigo do blog). Antes da vida de seu tio, do Infante D. Pedro, expirar (e seu corpo ficar exposto às bicadas das aves de rapina durante esses três dias), ainda pôde receber a extrema-unção de D. Luís Coutinho, Bispo de Coimbra.
Uma das vistas do Paço Real de Sintra, em desenho de Duarte d’Armas, tirada no início dos anos de 1500 (imagem com tratamento gráfico)
O Rei D. Afonso V conseguiu, via Rei de Nápoles e Aragão – seu tio –, fazer com que algum tempo depois, cerca de um ano depois, lhe chegasse uma carta daquele que então tinha ainda somente o título de Rei dos Romanos. Nessa carta o Rei dos Romanos mostrava interesse em casar com D. Leonor, irmã do nosso D. Afonso V. O Rei dos Romanos enviou dois embaixadores, o casamento foi selado, e meses depois D. Leonor saía Tejo fora rumo a Siena, onde iria conhecer o futuro marido. Conheceu-o e foram para Roma, onde casaram a 16 de Março, sendo três dias depois sagrados Imperadores do Sacro Império Romano-Germânico.
Representação do casamento de D. Leonor de Portugal com Frederico III em Roma. De fresco presente na Biblioteca Piccolomini, da Catedral de Siena, realizado por Pinturicchio no início dos anos de 1500
Sendo o nosso Paço Real de Sintra assiduamente frequentado nos anos de 1400, e com a dedicação que o pai de D. Leonor e de D. Afonso V – o Rei Duarte – tinha ao Palácio, é natural que se proponha que D. Leonor aqui terá, em diversos momentos, permanecido. Particularmente no último ano completo que passou no Reino de Portugal, em que o Rei aqui passou muitos de seus dias entre Agosto e Outubro, tendo chegado no dia da Assunção (15 de Agosto).
A coluna de mármore que foi levantada em Siena e que tinha no topo as armas de Portugal. De fresco presente na Biblioteca Piccolomini, da Catedral de Siena, realizado por Pinturicchio no início dos anos de 1500
No zarpar de Lisboa naquele Outubro de 1451, D. Leonor não foi sozinha. O Rei Afonso V criou uma comitiva para acompanhar a irmã naquela viagem que antes de cruzar o Mediterrâneo em direcção a Itália ainda passaria no Norte de África. Um dos homens dessa comitiva ficou conhecido na história como D. Lopo de Almeida. E, segundo incumbência do Rei, D. Lopo ficou encarregue de relatar em cartas o que ia sucedendo ao longo da viagem. D. Lopo era minucioso nas coisas que contava, contando-as de uma particular e peculiar. A impressão causada por Frederico III – o Rei dos Romanos – não foi a melhor, levando D. Lopo a dizer que preferia inclusivamente ser Rei de Castela do que Frederico III; para a época, esta afirmação era fortíssima. D. Lopo conta também como Frederico III era sovina: relata minuciosamente um episódio em que Frederico III, numa postura avarenta e calculista, faz a conversa para que Cosme di Médici – doente, coitado – perceba que um dos ricos tecidos que os seus mercadores tinham para venda, eram muito do seu agrado, mas realmente muito! Mas... Era caro. A conversa foi de tal modo feita que Cosme di Médici que jazia doente acabou por lhe dar o tecido, dizendo que bem sabia ele o mercado que o Imperador queria dele.
D. Lopo relata ainda que – e este episódio não é o mesmo que relato no artigo do blog – que... Vossa Irmã estava em sua câmara este serão, esperando que o Imperador fosse lá, e ele mandou por ela dois Condes dizendo que ela se fosse à câmara dele; e ela não quis, e passaram sobre isto muitas embaixadas [mensagens] por cinco, ou seis vezes, segundo me disseram até que ele veio por ela em pessoa, e disse-lhe que lhe prazia que ela fosse folgar com ele à sua cama por essa noite, e levou-o pela mão, e tanto que entrou, lançaram-na na cama em camisa, e ele com ela; o que passaram de noite, não o sei, mas suspeito-o, e vós Senhor o deveis entender, assim Senhor a consumação do matrimónio do Imperador com vossa Irmã, foi à noite dante o Domingo da Pascoela [sete dias após o Domingo de Páscoa].
O túmulo da Imperatriz Leonor de Portugal, vendo-se no canto superior direito as armas de Portugal. Convento de Neukloster em Wiener Neustadt (Áustria)
Outro dos homens que fazia parte da comitiva que acompanhava D. Leonor na sua viagem até Itália era o Bispo de Coimbra, D. Luís Coutinho. Aquele que havia dado a extrema-unção ao tio do Rei, ao Infante D. Pedro, após este ter sido atravessado por uma flecha dos homens do Rei. O Bispo de Coimbra, no regresso daquela comitiva torna-se Bispo de Lisboa, mas... Passados poucos meses, o novo Bispo de Lisboa, D. Luís Coutinho, vê-se obrigado a vir até à Serra de Sintra, mais precisamente até aos banhos de Santa Eufémia, para tentar salvar a sua vida. O Bispo sofria de lepra, e de lepra acabou por morrer em Abril de 1453, sem conseguir que os ditos banhos – que muitos procuravam – o pudessem salvar. Segundo o que foi escrito no século XIX – e que deve ter sido baseado em documentação à época disponível – D. Luís Coutinho teve direito a sepultura destacada no cemitério dos leprosos aqui em São Pedro. O túmulo – nessa suposição, que pelo benefício da dúvida se acredita que tenha sido baseada em documentação à época disponível, como já o referi – ainda está hoje visível e é conhecido como Túmulo dos Dois Irmãos, devido às duas cabeceiras que o encimam. Quem o anotou baseava-se também na distinção referente à dignidade de prelado em diocese – no caso, bispo – que o túmulo possuía, marcada no tampo e igualmente pela cabeceira levantada aos pés da sepultura, entrando assim com os pés no Reino dos Céus ao mesmo tempo que a sua distinção da Igreja. Como adenda a esta informação, o túmulo situava-se no século XIX no lado oposto do caminho.
D. Leonor e o filho Maximiliano, que viria também a ser Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. D. Leonor quis que o filho, ainda jovem, aprendesse músicas e danças que eram então comuns no Reino de Portugal. Iluminura de manuscrito da Österreichische Nationalbibliothek (Áustria)
O espaço para a história escasseia, ficando mil coisas por contar, mas tenho de referir apenas mais uma relacionada com este tema. Um dos dois embaixadores de Frederico III que vieram contratualizar o casamento – os tais dois religiosos que tinham sido roubados (informação no artigo do blog) – deixou-nos uma importante memória de Sintra dos anos de 1400. Dizia que Sintra era como um ameno real jardim, tendo uma ribeira pela qual as trutas subiam, entre outras coisas. Tirando o que é óbvio por inadaptação climática, ficou a correnteza da ribeira que na sua leva fez, no século XX, com que se despoletasse o especular sobre a navegabilidade do Rio das Maçãs, rio o qual a ribeira do actual Rio do Porto na Vila de Sintra, mais a Norte encontra.
Estou certo de que – de forma oral ou escrita – em outras oportunidades lhe falarei com detalhe sobre todos estes detalhes de quem também frequentou Sintra nos anos de 1400.
por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra
Quero apoiar este trabalho
através do Patreon
Quero participar numa caminhada nocturna temática
Quero uma caminhada temática privada, apenas para mim, ou para mim e para quem for comigo
Quero ouvir os áudios e
ler os restantes artigos sobre Sintra