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ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2017 ~

D. Pedro V:
Dois Corações Batem Unos

D. Pedro V: Dois Corações Batem Unos
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 28 de Julho de 2017

    Na década de 1830 chegava ao Reino de Portugal um príncipe da região da Alemanha para se casar com a Rainha D. Maria II. Num dia de um mês de Março, poucos meses após a sua chegada a Portugal e consequente casamento, o Príncipe apanhou um sol muito intenso que, mediante o estado de saúde em que já se encontrava, fê-lo a si encontrar-se com a morte, deixando a Rainha D. Maria II viúva. Tratava-se do 2.º Duque de Leuchtenberg e 2.º Príncipe de Eichstätt, Auguste de Beauharnais, primeiro marido da Rainha. Passado pouco menos de um ano, D. Maria casava-se com um outro príncipe da região da Alemanha, esse sim, que viria a ser conhecido como D. Fernando II.

    Ainda nessa década de 30, D. Fernando – já intitulado Rei Consorte de Portugal – compra um mosteiro abandonado num dos cumes da Serra de Sintra, e é assim que o Mosteiro da Pena começa a receber, a si se acoplando, uma estrutura que se irá chamar Palácio da Pena. Durante as duas décadas seguintes, o Palácio da Pena permanece em contínua construção e aperfeiçoamentos. A família real continuava, no entanto, a vir para Sintra quando o Verão chegava, tendo – depois de algumas reparações e melhoramentos – voltado a dar uso ao Palácio da Vila – o das chaminés cónicas no centro da Vila velha. Nas suas vindas, davam-se muitos passeios em redor da Vila e também à Pena e, no pico do Verão, o filho mais velho de D. Maria II e de D. Fernando II, D. Pedro, começa-se a destacar do que então aqui encontramos nos registos escritos.

O jovem Rei D. Pedro V em 1861

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    Embora já aos sete anos andasse com o irmão D. Luís – ambos armados – nas manobras militares que os soldados então executaram em Seteais, o principal eram as visitas pelas colinas que então levavam à Pena, na Serra de Sintra. É aí, ou antes, é nos seus diários e cartas que começamos a ver surgir uma criança com uma sensibilidade e inteligência – para além da cultura – acutilantes. Não apenas no sentido mais sério ou de rigor social, mas também na forma como dessas fazia uso com o seu humor e ironia.

    Poder-se-á dizer que o Príncipe D. Pedro e os infantes, quando iam nessas passeatas pelas colinas, estavam rodeados por aquelas habituais pessoas que por norma rodeiam quem mais poder tem, puxando o lustre a cada oportunidade para na sagacidade de bem visto ficar, alcançar algum intento não declarado ou não explícito nas acções de uma fraternal bonomia. É assim que nas suas cartas na década de 1840 começamos a perceber que quem tinha a alcunha mais suave – Artemisa, uma planta -, digamos assim, era a cadela que com eles andava. Nos passeios era então normal as pessoas abrigarem-se do quente sol de Verão na sombra daquelas rochas que amontoadas ou pela sua morfologia ser a isso propícia, criavam uma cova, uma reentrância no lado do caminho (quem percorra os caminhos entre a Vila e a Pena consegue facilmente encontrar duas), à qual chamavam lapa. As conversas eram tais – entre as criaturas que se assimilando na corte se aproximavam do Príncipe e dos infantes – que D. Pedro chamava àquela lapa a Cova da Sapiência. E sim, é para o tomar da forma mais irónica possível.

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Stephanie von Hohenzollern-Sigmaringen, a princesa escolhida

    A criança deu lugar ao adolescente, e ao adolescente que viu a mãe morrer com apenas 34 anos. A morte da mãe, trágica situação, fez pesar sobre o Príncipe a herança da coroa do Reino de Portugal.

    Logo nos primeiros meses de regência o Príncipe tornado Rei, tornado no Rei D. Pedro V, quer tomar as situações sob seu próprio pulso e cria por exemplo, na fachada do Palácio das Necessidades, duas caixas como se fossem marcos do correio: uma azul e outra verde. A azul seria para pedidos de auxílio dos mais pobres, a verde seria para pedidos relacionados com a lei, ou denúncias de situações suspeitas ou ilegais. D. Pedro V, para além da oposição que logo ganhou com tais atitudes, logo nos primeiros meses de regência depara-se com a oposição da morte à vida dos seus súbditos: uma epidemia de febre amarela, com um grande foco em Lisboa. Ao longo da nossa história, de cada vez que aparecera um surto era normal o Rei e a Família Real fugirem para Sintra e, caso o surto a Sintra chegasse, continuassem para Norte. Quando o surto de febre amarela surgiu, o Rei já se encontrava em Sintra. Mas não fugiu para Norte. O Rei dirigiu-se para Lisboa, mas não para as salas e câmaras dos Palácios das Necessidades ou da Ajuda. O Rei dirigiu-se para os hospitais, mas para o quarto dos hospitais, para andar junto dos doentes a dar-lhes a mão e a dirigir-lhes as palavras que lhes pudessem mais força dar para ajudar a derrotar a morte que a epidemia trouxera!

D. Pedro V sentado, o mano D. Luís Debruçado e a Rainha Victoria de Inglaterra de costas. Imagem de Royal Trust Collection, Reino Unido

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    Existem inúmeros relatos que mostram a beleza do ser humano por detrás da imponência do Rei. Pelo espaço, aqui apenas poderei contar um. Certo dia estava o Rei num dos hospitais e ao passar por um corneteiro da infantaria sobre o qual tinham colocado o capote militar em sinal do seu falecimento, o Rei percebeu que o homem ainda tinha uma réstia, resquícios de vida no coração que parecia ter voltado a bater. O próprio D. Pedro V desapertou a camisa do homem, começou a fazer-lhe fricções no peito e... Dias mais tarde o homem entraria no Paço para agradecer ao Rei o ter-lhe salvo a vida. Seriam inúmeros os exemplos como este que teria para contar.

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Aguarela feita pela Imperatriz Victoria (consorte de Friedrich III, Imperador da Alemanha e Rei da Prússia) representando o casamento por procuração (em Berlim, sem a presença do Rei D. Pedro V) da Princesa Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen. Imagem de Royal Trust Collection, Reino Unido

    No entanto, existia a grande preocupação de se encontrar uma Rainha para o Rei, a grande preocupação de garantir a descendência. É assim que é escolhida uma princesa também da região da Alemanha, e é contratualizado o casamento – basicamente, o Rei casara-se sem conhecer a Rainha. Foi trocada correspondência, as primeiras fotografias, e os indícios demonstram que ali terá surgido uma paixão. Mas todos nós sabemos que uma coisa é ler e sonhar com palavras do outro, outra coisa muito diferente é ver os seus gestos, o seu olhar, a maneira de falar, o cuidar e o saber entre outros estar. E a verdade é que quando se encontraram, essa paixão deu lugar poucos meses depois a... um imenso amor.

Fragmento digitalmente trabalhado de daguerreótipo de Wenceslau Cifka, mostrando o Palácio da Pena na década de 1840 antes da demolição de partes que foram concebidas de forma indesejada. O daguerreótipo encontra-se hoje em dia no Centro Português de Fotografia

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    Foi um imenso amor que se intensificava à medida que os dias iam passando. Não passaram muitos, infelizmente. Passaram-se 14 meses, e a Rainha, o grande amor da vida de D. Pedro V, falecia, dizendo em português as suas últimas palavras aos que a rodeavam: Consolem o meu Pedro... Consolem o meu Pedro...

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Fragmento do Palácio da Pena em construção (vendo-se o miolo das paredes e os andaimes de madeira) já no início da década de 1850. Imagem de Royal Trust Collection, Reino Unido

    Nesses anos estava um novo bairro aqui em Sintra em construção, onde se situam os paços da Câmara Municipal, onde se situa a estação de comboios, onde se situa a Rua Heliodoro Salgado, onde se situa o Museu das Artes de Sintra e o Centro Cultural Olga Cadaval. Foi graças a esse amor imenso que o Rei D. Pedro V decidiu que esse novo bairro se chamasse Estefânia, em honra da sua muito amada Rainha D. Estefânia.

D. Pedro V,

"O Muito Amado"

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    «Compreendemo-nos, e compreender-se mutuamente é a meu ver o amor no matrimónio. Muitos há que se casam por aborrecimento e para saber o que é o matrimónio, outros casam para conhecer uma mulher quando não tiveram a pretensa honestidade de chegar a este conhecimento por outra forma.


    Eu julgo pelo casamento preencher uma lacuna, julgo encontrar na esposa a parte boa, afável e crente do meu ser que os defeitos da educação me fizeram perder e que a forte impressão recebida pelo súbito contacto com os negócios do Estado me roubou. O meu instinto dizia-me que não errava e animava-me, ao mesmo tempo, para vencer as dificuldades que, como sabe, se levantavam contra a candidatura [para o casamento] de Estefânia. Deus deu-me força para esta luta que, por algum tempo, tornou tensas as minhas relações de família e, em vez daquilo que muita gente chama um casamento brilhante [no sentido social e político], contraí um casamento bom o que é infinitamente mais apreciável».

    Palavras de D. Pedro V quando os dois corações batiam em paixão e batiam em vida una.

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por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra

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