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ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2019 ~

Carência de Amor

Carência de Amor
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 08 de Março de 2019

    Nunca me esqueci. Após quase um ano em que o coração se contraía e expandia de forma acelerada de cada vez que o meu olhar se cruzava com o dela, tivemos então o toque um do outro, tivemos então um momento que para mim se tornou nuclear por para sempre me ter moldado.

    Tudo se deu no final desse ano, quando os nossos caminhos se juntaram naturalmente e nos fizeram subir a escadaria lado a lado. A minha mão procurou a dela ao mesmo tempo que a dela procurou a minha. Assim subimos aqueles degraus de mão dada. No fim, entreolhámo-nos e seguimos cada um novamente o seu caminho. Nunca mais a voltei a ver. Tínhamos cerca de onze anos e o consumar de um ano inteiro de uma jovem e ingénua paixão exacerbada pelo olhar, fez com que o tomasse para sempre como a coisa mais inocente e bela que vivi.

    Pela impossibilidade? Talvez. Certo é que eram aqueles, tempos em que a inocência era mantida e ainda não tivera até então sido substituída pelos prazeres momentâneos, os quais assim que connosco vão chocando ao longo da vida, nos fazem pensar – erradamente – que nos conseguem preencher, substituir o vazio que por qualquer outra coisa – que não a verdade e a fragilidade da inocência do mais puro sentir – não consegue ser substituído.

O Rei D. Pedro V, tido como O Bem Amado, percebendo-se através disso que como nos tomam é apenas o reflexo do que damos

Dom Pedro V, Estefânia - Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - Jornal de Sintra - 7 II.jpg

    O que acabei de escrever é uma memória da minha vida, a qual se prolongou até à idade que presentemente tenho e certamente se prolongará até ao fim, pelo belo de uma pureza que se foi perdendo, pela beleza do puro que até ao fim da vida inevitavelmente se vai perdendo.

    No fundo, faz parte da minha história. E tal como para mim estas partes da minha história são de fulcral importância para compreender quem sou, também a História necessita de ser olhada com os olhos que vasculhem o mais íntimo e marcante dos seres humanos que se encontram por detrás dos nomes naquela gravados. Ou pelo menos assim o penso, pelo menos assim o sinto. Claro que isso pode atravessar vários domínios, várias disciplinas. Mas existe realmente alguma que compreenda – na sua totalidade – o amor? E não devem ser os exemplos do nosso passado e dos nossos antepassados, aos mais novos passados para que possam formar um carácter melhor do que aquele com que, entre todos nós, nos vamos deparando?

Rainha Dona Carlota Joaquina - Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - Jornal de Sintra - 2

A Rainha D. Carlota Joaquina, já mais próxima do seu fim de vida, em gravura tirada de pintura coeva. Referida por todos nos dias de hoje apenas como “a Carlota Joaquina”, possui em sua história de vida matéria sem fim para se tentar compreender as dinâmicas interpessoais de então

    Não são só as bizarrias da História – das quais tanto gosto – que nos podem fascinar. Também as relações interpessoais, se não caírem no facilitismo da vulgaridade, da banalidade – extremamente melosa ou como piada sexual (esta última demonstrando o quão pequenino alguém ainda é) – podem ultrapassar o tornado fraco poder da ficção perante a realidade, e ajudar-nos a compreender inúmeros hábitos e formas de pensar. No fundo, só assim se poderá evoluir no desejo de melhor conseguir compreender a História e, até mais do que isso, conseguir com que através do sentir de quem se encontra distante da própria cultura, possa sentir o chamar do passado, num canto que tendo muito de amargo, se torna doce de ouvir e sentir.

    Uma vez, numa visita, ouvi alguém comentar com duas senhoras que de um passeio com a temática de amor na História lhe falavam (O Reino dos Amores de Sintra) que não acreditava nessas coisas e nem sequer suportava a história de “Pedro e Inês”. Certamente que não será o único e é certo que na parte da História que mencionou existem inúmeras incertezas, mas pelo menos tem a base que Romeu e Julieta não tem, que é precisamente a realidade. Não acredito que a pessoa em causa não se interessasse ou não acreditasse nestas coisas. Terá sido o alabastro do Retábulo da Pena percorrido por um cinzel que marcando-o, a mão que o guiava nada nunca sentiu, como coração que o permitiu fazer fosse um coração de vida vazio? E não sentimos já nós o sal do saudoso mar que por vezes o coração espreme através das gotas que a face percorrem num aprisionador ardor? Quantos sonhos não ajudou essa aprisionadora dor a que no renascer surgissem?

    Tal como por vezes os nossos sonhos se concretizam – e passam a fazer parte da realidade por nós vivida – há partes da História que se concretizaram de forma tão bem delineada como o vibrar do amor que era sentido pelos seus intervenientes. Um desses casos é o de D. Pedro V e D. Estefânia. Apesar de aquilo que mais é transmitido sobre D. Pedro V ser o facto de ter tido um reinado curto, o amor entre ambos levou a que hoje tivéssemos uma parte de Sintra com o nome Estefânia. Mas também isto é apenas um facto e o que aqui interessa é o exaltar do passado dia 14 de Fevereiro – já que não se exalta o amor todos os dias, que esse seja exaltado em datas que se possam considerar especiais pelos sentires.

 

    E mesmo o exaltar da data não representa uma melosa evocação da eternidade. Quem diria que o Prisioneiro de Sintra, Afonso VI, nos traria uma riqueza de complexidade tão vasta quando tentamos perceber não só o trio formado pelas relações pessoais e sentimentais (em todos os sentidos) de si com o seu irmão e com a ex-esposa do primeiro e futura deste último, mas também o seu comportamento errático aquando jovem?

Francisco Metello tinha um amor profundíssimo por Sintra, que ficou patente em algumas aguarelas e num manuscrito, presentes no Arquivo Histórico de Sintra. Esta gravura acompanha um artigo poético – e enigmático – sobre uma mulher de nome Elisa, não sendo no entanto sua esposa. O artigo em causa não se encontra sequer assinado, elevando a aura de mistério

Metello - Um Herói do Romantismo Português - por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - 4.j

    Quem diria que as palavras das cartas de D. Lopo de Almeida chegariam até nós quase seis séculos depois, relatando uma dinâmica amorosa de hábitos – então – impensáveis no Reino de Portugal por parte do Imperador Frederico III com a irmã do nosso D. Afonso V, este nascido e tendo falecido na mesma sala no Paço Real de Sintra? E que tudo isso ainda nos permite também, nos dias de hoje, ler palavras sobre o que sentiu quem há quase 600 anos visitou Sintra?

    Estes exemplos mostram que, e uma vez mais, o exaltar da data não representa uma melosa evocação de uma eternidade romance. Mostra-nos antes, isso sim, a ausência de linearidade da vida, em que sonhamos consoante aquilo que não temos. E aquilo de que estamos sedentos. E que no fim, todas as dinâmicas da vida nos surpreendem com o inesperado, para o bem e para o mal, servindo ambos como exemplos para transmitir a História e ajudar na formação de carácter dos mais novos (quando para isso existe sensibilidade).

O túmulo da Imperatriz Leonor de Portugal, vendo-se no canto superior direito as armas de Portugal. Convento de Neukloster em Wiener Neustadt (Áustria). As palavras das cartas de D. Lopo de Almeida são preciosas por aquilo que hoje nos parece como no passado sido inusitado

    O amor e a paixão, os sentires e as emoções, estão na História por valorizar, sem prejuízo de fazer cair opiniões para lados que devem com a neutralidade ser evitados. Mas tal como o intenso desejo físico por alguém que se ame, também assim na forma como a História é transmitida existe essa carência quase física – ou mesmo física -, por nos fazer sentir coisas com a nossa mente, com o nosso corpo.

    A História felizmente pode proporcioná-lo. A História de Sintra se calhar até com mais facilidade devido ao encanto que tem e que nos faz sonhar acordados em cada momento da nossa vida, em cada recanto iluminado que capaz é de incendiar ainda mais o nosso coração.

    Depois existem os ultra-sonhadores, marginais do normal sentir e que consumindo tudo o que intenso é para o coração, se tornam dependentes de vasculhar o que no passado perdido se encontra. Não encontra nesses a sensibilidade assim, concorrência no desequilibrado sentir do amor, na exagerada falésia onde a dor caindo, nunca fatalmente acaba, nunca fatalmente se despenha, ficando sempre mais por consumir, ficando mais por sonhar. E mesmo assim sendo, e assim continuando a ser, nesses as lágrimas parecem por vezes parte de um corpo cuja alma que sente a dor que é anunciada, já daquele não faz parte.

Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - Artigos Publicados no Jornal de Sintra II.jpg

 

por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra

Imperatriz Leonor de Portugal - Miguel Boim - O Caminheiro de Sintra - 5 II.jpg
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