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Artigos no Jornal de Sintra, ano de 2018, de Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra.jpg

ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2018 ~

Armas de Sintra

Armas de Sintra
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 29 de Junho de 2018

    Num passado já muito distante, os homens viram-se na necessidade de se distinguirem no campo de batalha. Antes de surgirem uniformes precisos, quando as possibilidades ainda não eram reais e o avanço na arte da guerra ainda não via aqueles como necessários, a identificação de facções, de campos, surgiu através de bandeiras, através de estandartes.


  Esses estandartes também não tinham a definição que muitos séculos depois os viria a caracterizar, não tinha surgido a definição de destrinça que fosse além da sua identificação com cores. De cada um dos lados dos campos adversários, as cores simples e dispostas de formas próprias distinguiam assim, através dos estandartes, as duas facções beligerantes.


  Com o passar dos séculos, a forma de destrinça na arte da guerra foi-se apurando. Surgiram uniformizações não só na logística, nos instrumentos da guerra, mas também na forma como os homens se apresentavam em campo.
 

Armas utilizadas entre o século XVI/XVII e o século XIX; a presente imagem é da fonte situada na Avenida Conde de Sucena (São Pedro de Penaferrim), estando datada de 1867

Armas de Sintra - Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - Jornal de Sintra - 1.jpg

    Os estandartes, por seu lado, foram sendo cada vez mais aprimorados. Começaram a representar grandes facções, algumas dessas que em seu tempo tinham uma longa história oral por detrás. Representaram famílias, representaram Casas. As mais fortes, as mais tradicionais, as mais históricas, tiveram o legítimo direito a querer distinguir-se das mais pequenas, jovens ou mal afamadas, que nas suas cores e disposições se identificavam de forma semelhante. Surgiram então, à frente das cores dos estandartes, elementos identificativos que em suas características, intuitivamente associadas a esses elementos, identificavam também a forma como aquela família, aquela Casa, se via.


  Em certos casos, algumas dessas famílias, algumas dessas Casas, cresceram a ponto de se tornarem senhores de um amplo território, amplo território esse que continha inúmeras outras Casas, inúmeras famílias. Quer isso dizer que em certos casos, determinados reinos ganhavam assim a “cara” de uma família, a cara de uma Casa, como é o caso dos leões rampantes da Casa de Plantageneta, símbolo presente hoje nas Armas Reais de Inglaterra.
 

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“Esta obra mandou fazer o senado da camara desta vila sendo prezidente o doutor marcelino joze de pontes vieira e procurador antonio ribeiro de cequeira ribafria anno 1757” – pedra de armas presente na Fonte da Sabuga, tendo à esquerda a lua em destaque

    Mas as caras das Casas, das famílias, não se ficaram por aí. As aldeias, vilas e cidades, passaram também, em determinada fase de sua existência, a ter a sua própria “cara”. Sintra foi um desses casos, transmitindo-nos hoje, passados alguns séculos, como os nossos antepassados viam a cara deste lugar que em todo o seu património nos encanta. É também no seu património que encontramos mais do que uma versão da face com que Sintra se apresentava.


  Em diversas pedras (e também em alguns selos) que foram gravadas entre o século XVI / XVII e o século XIX, vê-se um castelo, o qual não retrata a imagem de castelo da qual se poderá recordar de ver em escudos municipais nos dias de hoje. O castelo que foi gravado nessas pedras assemelha-se a uma cidadela, contendo inúmeras torres – subindo além da altura das muralhas – que em suas cúpulas as fazem parecer minaretes da arquitectura otomana. Em algumas destas pedras guardavam-se assim as Armas de Sintra, que também eram marcadas em lacre nos documentos.


  Em algumas destas mesmas pedras a fortaleza que se assemelhava a uma cidadela fazia-se acompanhar junto de si, no céu, por uma Lua: no caso da pedra da Fonte da Sabuga, com uma Lua quase sorridente – e esquecendo agora o cariz mouro que se lhe atribui – como que a evocar o que no Renascimento se encontrou de Sintra na Antiguidade Clássica: que era conhecida como os Montes da Lua ou Montanha da Lua (variando a tradução do grego clássico de forma incerta por não termos hoje o original e não conhecermos assim os espíritos (diacríticos) que fizeram parte das palavras originais).
 

As armas de Sintra com fundo verde, torre em prata e penhascos negros, estampa da publicação Os Brasões das Cidades e Villas de Portugal, século XIX

Armas de Sintra - Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra - Jornal de Sintra - 3.jpg

    Estas Armas de Sintra, para quem não as conheça, podem ser verdadeiramente encantadoras. Até porque guardam uma enorme semelhança com algumas perspectivas do Palácio da Vila que Duarte d’Armas – um escudeiro do Rei D. Manuel – desenhou no seu Livro das Fortalezas, publicado no ano de 1509 ou de 1510.  


  Mas a “cidadela” que nessas pedras formou as Armas de Sintra, não foi a única a apresentar-se como a “cara” da vila. Em 1675 foi terminado um manuscrito que tinha o nome de Thesovro de Nobreza. Nesse manuscrito, além das armas apresentadas referentes a diferentes reis e famílias de Portugal, aparecem também as armas de vilas que então tinham lugar em cortes. Entre elas aparecem as Armas de Sintra. Mas não como já hoje aqui as descrevi. Estas armas aparecem em pergaminho, contidas num escudo; nesse escudo vê-se em fundo um campo verde e uma torre cinzenta (o termo de heráldica, dentro das suas regras, é prata) assente sobre rochedos negros e verdes. Como curiosidade, é fascinante tratar-se aqui hoje das Armas de Sintra neste manuscrito que foi terminado quando o Rei de Portugal já se encontrava preso no Palácio da Vila de Sintra havia um ano (dos nove que Afonso VI lá assim viveu até a morte o levar).
 

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As armas de Sintra nos anos de 1600, com campo verde, torre prata e penhascos negros e verde. Em Thesovro de Nobreza, ano de 1675, Arquivo Nacional Torre do Tombo. Poderá ver a presente imagem a cores na página de Facebook O Caminheiro de Sintra, na publicação de dia 19 de Junho de 2018

    No século XIX voltamos a encontrar estas Armas de Sintra numas estampas que foram então publicadas (e baseadas no Thesovro de Nobreza). Creio que ainda hoje não é conhecida a autoria e ano de publicação dessas estampas. Reparei no entanto num anúncio de um periódico do ano de 1859 que anunciava que se encontrava no prelo a publicação de uma obra de Inácio de Vilhena Barbosa, cujo teor eram algumas das principais vilas e cidades de Portugal. A obra saiu em três volumes entre 1860 e 1862, não ficando com o título que era anunciado no tal periódico de 1859, mas sim com As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza Que Teem Brasão d’Armas. E o que é que ficou com o título que era anunciado em 1859 como sendo de uma obra de Inácio de Vilhena Barbosa no prelo (Os Brasões das Cidades e Villas de Portugal)? Exactamente. As tais estampas.
 

As actuais armas de Sintra (sem a coroa de quatro torres), com a torre em ouro, em painel de azulejos no exterior do Arquivo Histórico de Sintra, no Palácio Valenças

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    Nos dias de hoje as armas de Sintra utilizadas pelo município são diferentes das duas que aqui lhe trouxe. Com a implantação da República e as consequentes uniformizações, as armas de muitos municípios foram alteradas, vendo Sintra – pelo menos hoje, aqui e a seus olhos – as suas terceiras armas. Foram alteradas na década de 1920 por Afonso de Dornelas (acta onde tal é definido também publicada no artigo A Heráldica Autárquica do Município de Sintra, de Jorge de Matos). Dentro do escudo o campo passou a ser vermelho com dois crescentes (não associados à Montanha da Lua mas sim aos mouros) e estrelas cinzentas (prata), os penhascos negros voltaram a ter verde (como em 1675), e a torre passou a ser amarela (ouro) e azul. A bandeira na qual o escudo assenta é, tal como a torre, amarela (ouro) e azul em seus quatro campos.


  Entre os muitos pormenores que ficam por detalhar do “novo” escudo, das “novas” armas de Sintra, destaco as cores que têm sido a cara do município ao longo das décadas que foram passando: o amarelo (ouro) e azul. Mais do que o seu significado em heráldica, nobreza para a primeira e ar para a segunda, prefiro lembrar-me não de um dos primeiros eléctricos da Praia das Maçãs (azuis) ao Sol de Verão, mas das palavras de Afonso de Albuquerque sobre Malaca, as quais procuraram no Reino encontrar algo que tão luxuoso fosse como aquilo que lá havia visto: ...porque ha hy mais ouro e azull em malaca que nos paços de simtra...

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por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra

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